sexta-feira, 30 de abril de 2010

PRINCÍPIO DA ECONOMICIDADE


1- Oi.


2- O que?


1- Sozinho?


2- Aonde?


1- No meu carro.


2- Ah! Eu gozei!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

EXISTE UMA ESTÉTICA HOMOSSEXUAL?








A comparação entre uma série de obras literárias, às quais se soma o inédito "O Pombo-Torcaz", de André Gide, põe em dúvida o argumento
José Castello



Assim como a homossexualidade não existe — o "homossexual" é só um personagem inventado pela psiquiatria do século 19 —, é no mínimo temerário falar de uma estética homossexual. Se existem apenas as relações homoeróticas, e não os personagens imaginários que o senso comum arrola no clichê do "terceiro sexo", preferir as relações com o mesmo sexo não define ninguém. Essa impossibilidade se reafirma na leitura de O Pombo-Torcaz, delicado conto que o francês André Gide escreveu no verão 1907 e que só reapareceu um século depois. No texto, publicado agora no Brasil, Gide conta a noite memorável que passou com um jovem chamado Ferdinand Pouzac, em Bagnols-de-Grenade, perto de Toulouse. O "pombo" do título é Ferdinand, apelidado assim por "arrulhar" quando fazia amor.

Com sua ética protestante e seus conflitos interiores, André Gide (1869-1951) se esforçou para produzir uma explicação "natural" para a homossexualidade, da qual nunca afastou seus ideais religiosos. Em um livro como Corydon (1924), ele apresenta a pederastia (no sentido grego, de amor entre um homem mais velho e um jovem) como um ramo da pedagogia e a homossexualidade como um fenômeno biológico. O esforço para tornar aceitável o amor homossexual levou-o a fundar uma ética naturalista e biológica, que percorre toda a sua escrita. Ética segundo a qual o amor (seja ele qual for) é, antes de tudo, uma manifestação da natureza. Ética que bane de cena o desejo e a subjetividade, e que está presente também no conto que agora se publica.

Menos dogmático que Gide, o furioso Oscar Wilde (1854-1900) lustrou sua vida sexual com o verniz do desafio, do vício e da decadência. Ao mostrar quão efêmera é a beleza, um relato como O Retrato de Dorian Gray reafirma um vínculo entre a homossexualidade e o "estilo" — seja ele nobre ou doentio. O amor homossexual não passaria, nesse caso, de uma afetação, como o esnobismo ou o pedantismo — que estão sempre presentes nos escritos do inglês. Em carta ao amigo Robert Ross, escrita dois anos antes de morrer, ele se arrepende dessa posição. Mas, em vez de avançar rumo à aceitação de si, recua. Escreve: "Eu teria alterado a minha vida se admitisse que o amor uranista era ignóbil". De fato, uma sombra negra percorre toda a obra de Wilde — sinal do vínculo entre a homossexualidade e o vício, que nunca conseguiu desfazer.

Efeitos e estéticas muito diferentes foram obtidos no século 20 pelos autores da literatura beat americana, sobretudo por William Burroughs (1914-1997), autor de Almoço Nu, livro inspirado na temporada de sexo livre que passou em Tânger, no Marrocos. Ao lado de poetas como Allen Ginsberg e Jack Kerouac, Burroughs trata a homossexualidade não como uma questão biológica, tampouco como uma afetação, mas sim como uma perigosa e excitante viagem interior. Politizada pela contracultura, essa viagem se tornou não só marginal, mas contestadora. Por isso, em suas mãos, a estética homossexual assume tons violentos, de grande força política, atitude que o leva para uma espécie de "pansexualismo".

Antes dele, um autor como Marcel Proust (1871-1922) via as práticas homossexuais como uma espécie de maldição. Algo que, de alguma forma, se ligava à asma que, desde cedo, o infernizou. Em uma reversão, Proust fez da homossexualidade uma versão mundana da elevação espiritual, que ele encenou com sua vida reclusa. Repetiu, de certa forma, a herança dos poetas franceses Arthur Rimbaud (1854-1891) e Paul Verlaine (1844-1896), para quem a paixão homossexual que os uniu (e os separou) foi, sempre, um trafegar à beira do abismo; posição que se reflete na poesia que escreveram.

UMA FORMA DE VIOLÊNCIA
No século 20, um autor como o brasileiro Lúcio Cardoso (1913-1968) tratou a homossexualidade como um doloroso atestado de incompreensão. "Médicos, professores do futuro; exponho-me nu aos vossos olhos de certeza", escreveu, sintetizando sua posição de rejeitado. Místico e autodestrutivo, Cardoso via a homossexualidade não como uma realidade biológica, tampouco como uma ética; nem como afetação, ou uma "viagem"; mas como uma forma de violência.

Visão que o aproxima de dois outros artistas do mesmo século, o escritor cubano Reinaldo Arenas (1943-1990) e o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Para Arenas, a homossexualidade — vivida sempre às escuras, nos parques, nas vielas — se torna uma bandeira política contra Fidel Castro. Nas mãos de Pasolini, ela se transforma em uma afirmação de desejos arcaicos (e "populares") e de uma verdade que nem sempre é saborosa. Ao morrer assassinado brutalmente em uma praia de Ostia, com o rosto desfigurado e a postura de um santo, Pasolini, de alguma forma, fechou uma estética de revolta e da luta, na qual o homossexual aparece como uma espécie de arauto do futuro.

Hoje, nas telenovelas, a estética homossexual se afasta também da doença (o que é positivo), mas se aproxima do modismo — o que, de fato, corresponde à forte expansão da indústria gay. As narrativas homossexuais ganham no vídeo, assim, um ar um tanto chique — como uma nova grife. Muitas estéticas são construídas em torno das relações homoeróticas; todas tentam enquadrar e disciplinar a esfera do desejo, que, em vez disso, é sempre singular e ingovernável.

Supor que o amor homossexual é sempre o mesmo é tão ingênuo quanto imaginar que as relações heterossexuais, só porque se repetem entre parceiros de sexos opostos, se equivalem. Todos sabemos que, sob a estética oficial do vestido de noiva, do casal perfeito e dos filhos saudáveis, esconde-se uma infinidade de variações do amor. E que é nessas particularidades, nesses desvios do singular, que as relações amorosas são sempre vividas.

Por isso — e o livro de Gide é só mais uma prova dessa impossibilidade — se torna cada vez mais difícil pensar em uma estética homossexual. Os amores, homossexuais ou heterossexuais, não comportam modelos. É na singularidade e na invenção, e não na repetição de fórmulas eróticas e estéticas, que eles revelam sua potência.

José Castello é jornalista e escritor, autor de A Literatura na Poltrona, entre outros.


O LIVRO
O Pombo-Torcaz, de André Gide. Tradução de Mauro Pinheiro. Estação Liberdade, preço a definir.


http://bravonline.abril.com.br/conteudo/assunto/existe-estetica-homossexual-490185.shtml

1.2 ENSAIO - PANORAMA ATUAL DO TEATRO CAPIXABA


De certo, vão pensar: quem é ele para falar disso. Bom a única coisa que posso responder é: preciso dar vazão aos meus sentimentos, esvaziar o conteúdo apreendido ao longo desse período encubatório ao qual me submeto para tentar atingir um melhor nível de trabalho.

Temos no Espírito Santo hoje certa ineficiência no ramo teatral. Que por ventura posso eu também participar dele, o que justifica talvez a minha escrita neste momento. Analisado algumas montagens locais de 2009 e deste principiante ano de 2010, comprovo-me que talvez eu esteja falando da coisa certa no momento certo.

Tenho visto modernismo. É isso o teatro realizado no ES é moderno, acredito que não acompanhou diversos processos histórico-artísticos que outras partes do país obtiveram. Isso em que trato? Por exemplo, a década de 60, 70 e 80 no estado, pelo que me contam e pelo que li, passou por uma efervescência. Diversos nomes foram lançados, gente que talvez tenha passado períodos em capitais culturais e tiveram a chance de se aperfeiçoar com mais cautela, perícia.

Na maioria das vezes vou ao teatro com o peito aberto e uma coisa é inegável, o teatro daqui tem ficado mais diverso. Há muita coisa distinta, uma da outra, sendo realizada. O que não acontecia há 5 anos atrás.

Fica complicado citar nomes, de pessoas, grupos e companhias. Vou pelas classes. Dia desses vi uma peça, em que cenograficamente cometeram o que não deveriam, baseando-se na experiência do grupo. Um painel imóvel, colocado atrás das atrizes, iluminado, estático, dialogando com nada, conversando sozinho, enquanto as atrizes propunham um texto falando da condição da mulher. Pergunto-me, esse discurso já não vimos, ou é minha impressão? Tratar de uma conversa batida e de certa forma oitentista? Fui ao teatro depois, assistir a um espetáculo de uma amiga, tão bem nomeado e divulgado. Tratava-se de uma atitude teatral antiga, quase nos moldes, frise-se quase, brechtinianos, mas falida. Velha, empoeirada. Com atores de qualidade abaixo, e bem abaixo da média. Uma androgênia não provocada, ou propositada pela inexperiência dos atuantes.

Infelizmente temos muitos diretores bons, que não estão trabalhando, a maioria que converso, desistiu. Cansaram de atores que não lêem, que não estudam e que não se aprimoram. Outros cansaram de depender do Estado etc. Existe hoje pelas minhas contas, o M., o D, o L., o C.. E os novatos de cena, que voltaram, após terem estudado Artes cênicas em Ouro Preto e nada trouxeram de novo à cidade. Existe uma peça de uma garota, que é simplesmente lamentável. Pois também se trata ainda da discussão do feminino, batida, antiquada, ingênua. Outra em que a luz era o protagonista, ou o figurante da peça, trouxe uma injeção de contra ditadura após quase 25 anos do fim dela. Não lembro neste momento ter assistido alguma coisa realmente preparada para os contemporâneos. Não posso citar as desventuras do besterol local, pois esta gama sequer chega perto do que se propõe, embora um grande show de humor, e executam bem esta função, mas poderiam, às vezes, manter-se como um show solo do diretor, certamente a figura com mais riqueza teatral entre os outros. Há um outro moço, de figura simpatica, certamente culto, mas que realiza espetáculos alinhados com o butô, e que por fim traduz apenas uma estética, não realizando-a. Gosto do Butoh, mas não podemos apoiar um conteúdo inteiro somente naquela ou outra estética e não recriar. O que me parece certa preguiça, ou afeição pelo efeito... Somente.

Outros defensores do “bom teatro”, cultos, certamente, são capazes, inclusive de desconhecer o tratamento barroco de uma ópera, e realizar o espetáculo sem ao menos uma curva. O que é quase que impossível quando se trata desse estilo.

Ainda sim, não chegamos a nenhuma conclusão de teatro contemporâneo. Discussão do papel feminino na sociedade, ou no mundo, ditadura, ópera barroca, butoh são “coisas” (sic) que não estariam alinhadas com o teatro contemporâneo, não da minha época. Embora o uso do butoh, seja o que mais se aproxime de um uso de carpintaria para realização, pesquisa de linguagem. Porém ele por fim, neste caso, acabou não sendo a fonte, mas o piso e paredes.

Não gosto de causar polêmica e se causar aqui no meu blog, que pouquíssima dente lê, retiro esse texto. Porém, fique claro, eu não discrimino também nenhuma manifestação teatral, as analiso e escolho o que quero pra mim, para me lembrar. Não quero parecer arrogante, muito menos conhecedor dos sete mares, falo obviamente da minha opinião, que pode, e deve, talvez, divergir das demais.

Hoje, sinceramente, não consigo lembrar-me de uma peça realmente boa, que me fez pensar em voltar a assistir aquela companhia, ou artista, não consigo visualizar agora, uma referência para que eu volte ao teatro, e frua. Com intensidade. Ou sem ela também. Certo, tem um Grupo, com uma letra só no nome, que gosto. Mas acho careta. Acho também antigo, a não ser quando se aventuram na dança.

Não me recordo de ter visto uma peça e ter abandonado a sala, e pensar: “amanhã quero voltar pra ver novamente”. Não me lembro qual foi a última vez que não fui ao bar e fiquei quieto para não ser desagradável e dizer sinceramente que eu não achei graça, que eu não gostei, que aquilo não me toca, não me choca, não me toma.

Acredito que das cerca de 18 peças que estrearam desde o início de 2009 na Grande Vitória, nenhuma delas tinha um trato realmente para comunicar-se aos seus de mesma época, com uma estética diferenciada, pronta, preparada, destrinchada e despachada. Leve e nova, fresca. Nada que seja interessante. Apenas cumprimento do certame, uma parada obrigatória, certamente uma escolha frágil.


POR HOJE É SÓ!

1.1 PANORAMA ATUAL DO TEATRO CAPIXABA


A complicada realidade da cena contemporânea teatral mistura-se a toda gama dos gêneros artísticos e perpassa pelos mesmos problemas na maior parte do globo: descontinuidade, falta de organismos de formação, escassez de contempladores, produtores e artistas, perda de credibilidade junto a sociedade, aniquilação pelos meios de entretenimento instantâneo e a distância, dependência do Estado etc.

Para os artistas e técnicos a melhor maneira para a apreensão de conhecimentos específicos se dá por meio da vivência verdadeira e absoluta com suas ferramentas e espaços, mesmo que inserida ou não na formação acadêmica do indivíduo ou grupo. Entretanto, especialmente na Grande Vitória é possível afirmar que os locais de ensaio, por exemplo, geralmente tratam-se de salões de festas, salas improvisadas em academias de ginástica, espaços abertos, gramados, tendo apenas o ensaio geral, horas antes da primeira apresentação pública, para a averiguações do resultado (ou conclusões) de seus projetos cênicos de iluminação, cenografia e figurinos.

O Estado do Espírito Santo dispõe de poucos equipamentos culturais em todas às áreas. A arte cênica não é diferente. Espalham-se por todo interior do estado 12 salas de teatro em funcionamento, e na Grande Vitória temos o Theatro Carlos Gomes sob administração pública estadual (R$ 400,00/dia), os municipais de Vila Velha (em estado de abandono) e de Viana, que está localizado a duas horas da capital por transporte coletivo; o Teatro Universitário (R$ 800,00/dia) administrado pela Secretaria de Difusão Cultural da UFES. De administração privada temos o Teatro do SESI (R$ 500,00/dia); Teatro Galpão – sem urdidura, ar-condicionado, coxias e camarim – (R$ 300,00/dia) e Teatro Marista – sem urdidura e com pé direito simples - (R$ 500,00/dia) localizado em Vila Velha. Todos estes espaços, não permitem o armazenamento de cenário e equipamentos das produções nos depósitos dos teatros, e o Theatro Carlos Gomes executa locação apenas de até três dias seguidos, pois é utilizado como casa permanente da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo e Projetos Institucionais.

Muito embora, estes espaços beneficiem a qualidade de vida da população e o fomento das artes cênicas; a realidade para o mercado teatral é pouco atrativa. Os aluguéis são caros, e ainda possuem inúmeras restrições quanto ao fazer teatral na cidade, como a impossibilidade de temporadas médias e longas, ensaios, depósito para material cênico e de montagem entre outras. Nesse sentido, Yan Michalski (1998, p.17) pontua:

[...] o teatro a exemplo talvez da música, mas bem mais que a literatura ou a pintura, é totalmente escravo de sua infra-estrutura material. Falar em encenação é sustentar um discurso que tem pelo menos tanto a ver com aspectos econômicos, políticos quanto com a estética.

A produção teatral do estado está a cargo de artistas independentes: atores, diretores e produtores, que se unem para um único trabalho e de pouquíssimos grupos e companhias estáveis. A inovação no fazer, em linguagem, direcionamento e estética, está ligada também nessa realidade ao “teatro de grupo”. Segundo José Renato Pécora, fundador do Teatro de Arena em São Paulo, em entrevista a esse trabalho no mês de setembro de 2009, o teatro de grupo trata-se do cerne das vanguardas:

"Assim, de estalo, o que posso dizer é que considero da maior importância o desenvolvimento de uma equipe; acho que o trabalho dos grupos no Brasil é a mais séria transformação que o nosso teatro está conseguindo. O grupo desenvolve uma linguagem comum, um pensamento uníssono, uma formação equilibrada que é fundamental para a sua própria existência. Existindo no grupo uma liderança equilibrada, inteligente, que permita o debate livre e criativo entre seus membros, e que o grupo possa exercer a sua pesquisa sem a pressão de prazos comerciais, buscando seus resultados, com equilíbrio, bom senso e bom humor, estará, sem dúvida, no rumo certo. Acho que será importante também, encontrar um denominador comum no terreno da ideologia, e da filosofia. Refletirem todos juntos sobre o que está acontecendo com o país, com sua cidade, com seu entorno, e, principalmente, discutirem o desenvolvimento educacional e cultural onde estão inseridos. A busca de repertório será uma simples conseqüência desse caminho."


Os dispositivos de formação, sejam eles da iniciativa pública ou privada, não oferecem graduação ou especialização na área Teatral. Grande parte dos atuantes em teatro, não possui formação tradicional específica deixando com que a experiência prática se encarregue de tal e o SATED – Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões ateste a capacitação destes futuros profissionais. Todavia, essa falta de conhecimento adquirido em uma universidade ou escola, pode ser suprida, em parte, em cursos que supõe-se afins como os cursos das outras áreas artísticas e os de humanas aliado ao conhecimento adquirido na prática.

• Trecho de “BOULEVARD,83 – A CRIAÇÃO DE UM ESPETÁCULO TEATRAL” Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Plásticas, de Leandro Bacellar, apresentado em 11 de dezembro de 2009 no Centro de Artes – UFES.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Peter Brook

Tive a indelicadeza de copiar o post do blog "artistaemconstrucao.blogspot.com com palavras, e das melhores, de Peter Brook. Quem puder leia, por favor, O teatro e seu espaço.


"No período de ensaios é preciso cuidado para não avançar demais antes do tempo.Muitas vezes, atores que se exibem emocionalmente logo no começo, perdem a capacidade de descobrir relações autênticas entre si. (...) No entanto, quando os atores estão acostumados a começar amontoados em torno de uma mesa, protegidos por cachecóis e xícaras de café, é essencial, pelo contrário, liberar a criatividade corporal através do movimento e da improvisação (...).Como se consegue fazer para que essa expressão íntima cresça até preencher um amplo espaço, sem traição? Como se eleva o tom de voz sem distorcer a relação? É extremamente difícil: eis ai o paradoxo da interpretação".


"Não se deve tomar tudo o que está no livro como dogma, nem como classificação definitiva, tudo está sujeito ao acaso e a mudança".


Peter Brook

MEU PEQUENO MANIFESTO









Texto que será veiculado no programa impresso do próximo espetáculo do Grupo Teatro Empório:


Indago-me todos os dias, e me pergunto aonde quero chegar com isso. Ou aonde talvez, aonde esses textos chegarão.

É claro que a idéia de escrever teatro, não foi um chamado divino. Quem me dera se o fosse. Traduzir em palavras as contradições, perversidades, bondades, paixões e tudo mais dos homens, produz certo efeito alucinógeno em mim.

Às vezes me pego me perguntando o porquê de sentar no computador e acreditar que pudesse escrever algo que fosse encenado, que pudesse chegar aos olhos, ouvidos e fruição do espectador, e que da minha verborragia oculta, e desvelada pelos atores pudesse causar um mínimo de reflexão. Surpreendo-me com as respostas, pois eu como todos, acredito, estou em formação. Numa certa crítica direcionada a mim, claro que com certo deboche, escreveram que um dia, com muito, muito estudo eu poderia chegar a ser um “bom “autor teatral”. E concordo. Com certeza, estar a altura do Laboratório de Textos, edital motivador para esse novo espetáculo sair do papel, com dois diretores fascinantes e um autor dois mais inteligentes é realmente uma empreitada faraônica. E o requinte intelectual que isso pode gerar é megalomânico (sic), e de uma loucura tal. Certamente dei sorte.

Comecei a escrever, pelo que entendo, para sanar minhas necessidades de realizar minhas secretas fantasias, desejos, opções, e mentiras. Dou vida as minhas mentiras. Aliás dou páginas. Mas por conseguinte dou vidas, não é? A fábula, fantasia, história, narrativa, sugere que eu poderia facilmente ter vontade de ter vivido aquilo, estado ali, e realmente estive. Durante o tempo da escrita me coloquei ali, pensei e agi imaginando e vivendo aquela ação mentalmente. E fui autor. Ali. E ainda sim, penso que para que haja um mundo em que eu me encaixe as pessoas realmente gostam disso, de ver outras pessoas vivendo a fantasia de outros, mentindo descaradamente durante horas, ali, no palco. Lugar certamente da mentira. Mas a mentira está em todo o lugar, na cegonha, no coelho da páscoa, no papai noel. Então seríamos todos atores? Claro que não. Executar um trabalho de interpretação requer um alto custo, um dispendioso e brilhante gasto de energia, um estudo sem fim. Uma procura das mais vis que podem existir. Dramaturgo e ator se desejam, sem saber, talvez, mas são almas gêmeas. O ator é o elemento chave do meu trabalho, ele é a finalidade às vezes de uma vírgula, de um registro vigoroso entre parênteses, ele é o segredo do cofre.

O teatro certamente é a arte mais difundida de todas, pois ela é intrínseca do homem. Ele tem atitude teatral na alma. O que nós, artistas teatrais fazemos, é nos aproveitarmos disso e potencializar.

E eu, no meu “gabinete” o que eu faço? Eu invento? Invento pessoas, atmosferas, pesadelos, fantasmas, conversas, mentiras, verdades, planos, roupas, lugares, sol, lua, chuva. Invento calor intenso, chuvas do sul, nordeste e sudoeste, invento sapatos que existem, que não existem invento choros tímidos, choros velados, gargalhadas simbólicas. Rubrico. Mas não invento. Sou então um aproveitador. Retiro minha fala anterior, eu não invento nada. Eu copio. Sou copiador, uma máquina de xérox ambulante, uma impressora lenta que reproduz o que vê, o que sente, o que vive, o que ouve, o que lê. Talvez um catalisador, um escolhedor, um degustador de vaidades. Sou um déspota malvado e ladrão de expressões, mazelas e dores terríveis. Coloco seres em posições que não estão suando, mas devem suar, devem odiar seus amigos, seus inimigos devem amar. Faço e desfaço qualquer trabalho em sete dias. Serei eu um bruxo? Ainda confirmo minha arte da imitação. Imito, copio, roubo. Ladrão eu sou. Reitero, copio. Meus amigos, meus chefes, meus mestres, meus alunos, meus atores, meus pais. Meus amores curtos e maciços, os leves e duradouros, as paixões burras e os estúpidos encontros casuais. A minha própria verborragia é impressa às vezes, nem eu me respeito, roubo coisas até de mim.

Acumulo sim as duas funções, dirijo e atuo, e o pior ainda escrevo: se houvesse crítica teatral respeitada nesse Estado ela certamente acharia isso uma infâmia. Mas faço. Executo infamemente o meu trabalho. Meu amigo Renato Saudino me disse uma vez que eu estava funcionando bem no palco porque o ator entendeu perfeitamente o que o diretor falava. Pois bem, ele respondeu uma das minhas maiores dúvidas, o grande mistério que me rondou desde o início, por que eu devo dirigir o que eu escrevo? E por fim dirigir a mim? Com calma. Primeiro, eu suponho que nenhum diretor, que não seja eu, queira dirigir meus textos. Segundo, tenho o grupo, fundado por mim, Thiago Rizzo, Luana Eva, Danielle Pansini e Josimar Teixeira, este grupo precisa ser abastecido, e de uma forma que não onere, pagar direito autoral é uma realidade que respeitosamente cumpriremos quando houver essa escolha. Terceiro eu sou ator, preciso trabalhar, nunca houve convite para tal, na minha idade adulta. Dirijo porque escrevi, atuo porque o diretor me convida. Comecei assim, aliás, eu acabei de começar. De verdade. Não posso de forma alguma comparar as minhas escolhas a alguém com bagagem, experiência e trato com os piores e melhores atores. É indiscutível.

Teatro é uma arte da paixão, e como apaixonado que sou defendo. Meu amor, minha posse. Sou ciumento. Muita gente torce o nariz, mas por quê? Estamos começando a nossa história agora, mas já é alguma. Claro que de todo jeito enfrentaremos tudo que os artistas experientes já enfrentaram, que bom. Isso é o que deve acontecer se continuarmos nessa corda bamba eterna. Pois queremos ser experientes um dia, e defensores do “bom teatro” e fazer parte dele. E não só defendermos de longe, sem nos arriscarmos, ousarmos. Quero mentir mais pra todo mundo. Com prazer, bom humor. Respondendo a uma inevitável pergunta, sim eu gosto de mentir, gosto da mentira, ela me devora e eu deixo, permito, nós, eu e a mentira, temos um caso de amor intenso, horroroso, é lindo. Quero chegar a um ponto que acreditem na nossa mentira.

Sou um incentivador do teatro. Aposto em todas as iniciativas, dos estreantes, dos catedráticos, românticos, picaretas, dos plagiadores, dos metidos, dos pobres e ricos, dos loucos que se drogam para criar, que nem são tão loucos assim, só vão pelo caminho que mais lhe revelam coisas. De fato, a encenação do meu primeiro texto era lastimável. E o segundo nenhuma primazia, o terceiro tem suas falhas e esse aqui também terá. Isso eu tenho certeza. Apesar de brincar de deus no papel, eu sou um humano e falho, como todos. Ainda procuro a criação de uma jóia, talvez essa seja a razão de persistir...

Acredito que todo artista procura criar uma jóia. E nosso caso particular, o do teatro. Queremos certamente lapidar uma pedra em estado bruto, queremos dissecar este animal que não conhecemos. Talvez esse animal deva se chamar “texto”. E o que é essa jóia no teatro? – Obviamente um texto primoroso não significa uma direção perfeita - O que estamos procurando, seja no italiano, espaço aberto, alternativo. Quem é o classificador do brilho do diamante? O quilate do ouro, aqui, no palco, quem define? Seria o crítico? O público? O leigo? O sabido? Seria eu um ourives? Lembro ainda, meu caro leitor e espectador, que você seja o que determina a raridade do meu rubi, impresso e datado, aqui neste palco. É o senhor, senhora, moço, moça, quem pode definir se vale a pena ou não para ti. É você quem vai para casa pensar ou não nisso tudo, nisso tudo que quis falar a você. É a sua perspicácia que irá, talvez, lhe fazer dar o valor que espero obter na minha obra, na minha pulseira cravejada de pedras falsas, e que somente você poderá validá-las. Me incomodo apenas com a perda da humildade, ou a inexistência dela. Teríamos de admitir tudo, porque quando não temos teatro, não o temos. É a única coisa que podemos ter certeza.

Não sei ainda se estou no lugar certo, não sei se nasci pra escrever, claro que não, eu nasci pra ser rico como todo mundo. Mas escolhi isso, não sei por que, não sei da onde, não sei quem me fez assim, não foram meus pais, eles queriam que eu tivesse uma vida mais fácil, sem sofrimento, sem noite perdida em frente ao computador, com finais de semana em família. Queriam que eu não fosse viciado em café, cigarro, até a cerveja do fim de semana os incomoda as vezes. O que mais me falam é: - Você deveria parar de sofrer tanto, ninguém vai perceber se você fizer assim ou assado... Será que eles possuem razão? Certamente não foi o teatro quem me escolheu, eu escolhi cada uma das minhas mazelas. Gosto delas.

Para escrever... Para fazer teatro... Eu estudo muito, estudo as pessoas, o que elas falam, estudo seus gestos, creio em suas histórias. Estudo teoria, do Teatro e da Arte. Leio filosofia, contos, sonetos e poemas. Crônicas belas e outras das mais absurdas. Procuro me conhecer, confesso que uma das tarefas mais difíceis. Me politizo. Converso com sábios. Leio. Compro livros ao invés de ir pra micareta. Então já sei pelo menos que não sou micareteiro, mas o que não me impossibilita de escrever sobre um, claro se a história dele foi boa, pois são milhares os que se gabam por terem beijado outras milhares em seus encontros baianos. Sou preconceituoso. Me apaixono por tipos, por alguns deles em especial, sou um pouco adepto a sexo eloqüente, tenho minhas preferências musicais duvidosas para os eruditos, gosto de ir ao museu e carregar um guardanapo com a Monalisa estampada, compro dvd pirata, furaria meus olhos se tivesse feito filhos em minha mãe, comeria terra se passasse fome, mataria uma velha para dela roubar água. Seria eu então um copiador, ladrão, preconceituoso, assassino, ourives, mentiroso, ninfo, incestuoso, déspota, pérfido, apaixonado, amante, micareteiro, burro? Prefiro pensar que sou um possibilitador, de tudo isso, de mostrar às pessoas esse mundo cheio de histórias, para fruírem e acreditar na mentira, minha e do Grupo Teatro Empório.